O Segredo do Pajé

O Segredo do Pajé – Érico Veríssimo

“ Um dia o pajé me chamou à sua oca. Entrei. Fui recebido com esta pergunta:
— Tibicuera, qual é o maior bem da vida ?
— A coragem — respondi, sem esperar um segundo.
— Só a coragem ?
Embatuquei. O pajé ficou sorrindo por detrás da fumaça do cachimbo. Gaguejei :
— A… a…
O feiticeiro me interrompeu :
— O pajé é corajoso, mas de que vale isso ? Seu braço não pode levantar o tacape, seus pés não tem mais força para correr…
— Ah ! — exclamei. — Mas tu és poderoso, sabes de remédios para todas as dores, consegues tudo com as tuas mágicas.
O pajé continuou a sorrir. Sacudiu a cabeça:
— Ilusão — disse. — Pura ilusão.
Depois dum sileêncio curto, tornou a falar :
— O maior bem da vida é a mocidade. Um dia Tibicuera ficará velho. Atirado na oca, tecendo redes. Não pode mais ir para a guerra. O jaguar urra no mato e Tibicuera não tem força para manejar o arco. Tibicuera é mais fraco que mulher.
Escancarou a boca desdentada. Eu escondi o rosto nas mãos para não enxergar o fantasma da minha velhice.
— Pajé… Tibicuera não quer ficar velho. Ensina-me um remédio para vencer o tempo, para enganar a morte. Tu que sabes tudo, que viste tudo, que falaste com o grande Sumé…
O pajé continuava a me olhar com os olhos entrefechados. Bateu na testa com o dedo indicador da mão direita.
— O remédio está aqui dentro, Tibicuera. Não há feitiçaria. O pajé gosta de ti. Ele te ensina. Escuta. O tempo passa, mas a gente finge que não vê. A velhice vem, mas a gente luta contra ela, como se ela fosse um guerreiro inimigo. Os homens envelhecem porque querem. Só muito tarde compreendi isso. Tibicuera pode vencer o tempo. Tibicuera pode iludir a morte. O remédio está aqui — tornou a bater na testa. — Está no espírito. Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera morre ? Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua : a coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô dum homem que continuará o espírito de Tibicuera e que portanto ainda será Tibicuera. O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz, que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma só.
Eu olhava para o pajé, mal compreendendo o que ele me ensinava. Quando voltei para minha oca fiquei por longo tempo olhando para que meu filho que dormia na rede.
E eu me enxerguei nele, como se a rede fosse um grande espelho ou a superfície de um lago calmo. ”

Origem: “As Aventuras de Tibicuera” Capítulo 9 – Érico Veríssimo